Divórcios e separações

05-02-2013 10:19

Não sei como conseguimos fazer isto, de personalizar o que nos ultrapassa e de universalizar o que, na realidade, só a nós diz respeito.
Se derem bem conta, foi o que acabei de fazer.
Quando se pergunta a alguém da geração da minha mãe acerca de divórcios e separações ela dirá, olhando para os casais ou ex casais de hoje com ar algo recriminatório:
- "No meu tempo alguém se divorciava??! Agora um espirra o outro quer separar-se."
Se noutra conversa totalmente diferente perguntarmos a essa mesma mulher dessa mesma geração, se alguma vez pensou em separar-se, ela dirá, muito provavelmente, que tal nunca lhe passou pela ideia. (É possível que abra mais os olhos e esganice um pouco.)
Claro que ninguém se separaria de perfeito juízo em tempos em que a Europa se casava para só a morte a separar sob pena de ser excomungada pela autoridade acima de todas, o Santo Papa.
E se é certo que a geração passada não cresceu nem viveu na verdadeira Idade das Trevas, medieval, entenda-se. Certo é que a carga de moral e bons costumes acima do puro bom senso no que toca a casos, por exemplo de violência doméstica extrema; continuou na geração anterior a ter um peso social imenso.
A escolha particular era-o num contexto muito maior.

Da mesmíssima forma, hoje os casais separam-se, não porque espirram, mas é certo com bem mais facilidade. O julgamento moral foi calibrando critérios à medida que outros aspectos e conceitos de certo e errado consensual foram mudando.
As escolhas particulares, que sentimos muito só nossas, são afinal parte de uma história muito maior.
Nós, somos parte de uma história muito maior.
E se faz sentido pensarmos em termos de Eu, na medida em que só podemos sentir em termos de Eu. Também se torna óbvio ao exercício da empatia, que o outro sente e que posso colocar-me no lugar do outro e dar-me conta do quanto existe em comum, afinal, nos quotidianos comuns, da vida comum.

A separação e o divórcio, é uma história a dois. Que começa com um laço e que culmina num estilhaçar mais ou menos rebuscado desse laço. Mais ou menos consequente.
E é enquanto tantos de nós nos juntamos e separamos, para Tentar, já dizemos "tentar", "ver se dá certo" com fulano, ou com pessoa tal; que algo começa a tornar-se óbvio também.
Um divórcio muito anterior.

Se agarrarmos em dois seres amáveis e os metermos no tambor da máquina de lavar, e os fizermos girar rápido demais, sem tempo, a ter de responder a mil coisas, cansados, fazendo face a despesas, rotinas, enredos familiares, complexidades emocionais, diferenças, sonhos e escolhas... chega ao programa de centrifugação, multiplica-se isso por "daqui em diante sempre assim" e outras faltas de alternativas.... e ai temos nós.

No meio desta dança sempre a girar, o indivíduo, cada um, já teve de se divorciar de ingenuidades, de sonhos, da sua paz tantas vezes, do seu centro, do seu percurso de vida interior de serenidade e encontro consigo mesmo. Cada um já atirou ao ar a aliança com a criança interior, há muito tempo, cada um anda a tentar superar-se (ou seja, deixar-se para trás), cada um já faz tanto.
Uma dança desta a dois!!!
E com filhos.
E com tanta coisa para fazer e em que pensar e...

Acho notável que estejamos tantos nesta viagem a manter alguma sanidade mental, a manter a decisão firme de manter no olhar o brilho simples de ser feliz com os dias.
E que se continue a dar a mão ao homem que dorme ali ao nosso lado, e que se continue a rir com as maluqueiras das crianças e a sonhar com as férias que passaremos juntos nos dias quentinhos de Verão.

Somos uma geração.
Não é coisa minha ou tua, ou algo que se possa personalizar tanto quanto se costuma, no jogo de culpas da dor de cada divórcio, de cada separação.
É o tal infantário da vida que eu já dizia.
É um tabuleiro de jogo muito maior.
Em que estamos juntos no barco das escolhas individuais aparentes.

A relação que mais pede reencontro, reconciliação e acolhimento, é a do centro inteligente e afectivo de cada um até que isso transborde, e transborde tanto, que comece a tornar-se realidade visível.
Visível num abraço consciente.

Posso finalmente ver-me em toda a gente, quando olho para mim e me vejo. É quando os outros fazem sentido.
É quando posso finalmente pertencer. Pertencer para ser geração de mudança para a próxima etapa já sorridente no horizonte. A de humanos unidos entre a verdade de cada um e uma verdade de todos em que seja possível habitar inteiro, forte e sincero, sensível e disponível para um amar que seja realmente amar.

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